Variações do pé vermelho / Red foot variations (2018)
Variações do pé vermelho foi uma exposição individual realizada no AT | AL 609 em dezembro de 2018. A proposição era de executá-la numa concepção de sistema aberto e fenomenológico. As peças foram apresentadas de modo interdependente como uma instalação única . Para isso, três conceitos foram importantes para sondar sua concepção. O primeiro diz respeito a uma abordagem que desqualificasse a memória afetivo-associativa dos trabalhos inicialmente realizados para o Atelier Contágio, dando primazia ao invés disso, a uma presentidade espacial. A essa abordagem também era necessária uma ênfase estética na continuidade entre os objetos, ou, seu network - uma transcodificação para o campo de criação do conceito de biofísico de Capra, bem como da teoria de sistemas complexos, que abordam propriedades emergentes. Tal conceito, trouxe o questionamento de quais eram as propriedades criadas a partir da interação entre os elementos agenciados e como evidencia-las empiricamente (sem que houvesse um imperativo científico). Houve de modo mais generalista, um nomadismo do processo de criação e das peças, sendo compreendidas a partir das relações dos materiais com o espaço e seus sentidos imanentes . Isso implica dizer que as circunstâncias específicas encontradas, alteraram várias etapas do processo artístico: A produção das obras, sua apresentação (curadoria/expografia) e como consequência, o modo de fruição das peças pelos visitantes.
FICHA TÉCNICA Recorte Curatorial Expografia e montagem Produção Cecilia Stelini Camillat e Mathias Reis Cecilia Stelini e Camillat Design gráfico Fotografia Mathias Reis Raphael Wohnrath, Camillat e Mathias Reis |
ATRACTOR Instação, 6x2,5m Terra, aglutinante, troncos carbonizados e hortaliças ressecadas tingidas com pigmento mineral
‘Para quem vive em São Paulo, pé vermelho é quem é de Campinas. Para quem vive em Campinas, pé vermelho é quem é de Paulínia. Para quem é de Paulínia, pé vermelho é quem é de Piracicaba. Para quem é de Piracicaba, pé vermelho é só lá no Mato Grosso. Afinal quem é o pé vermelho, esse sujeito que é sempre o outro? Quem é esse outro, um duplo, que se constitui apenas para ameaçar uma desejada identidade cosmopolita?
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ESPAÇO FÁSICO Instação, 3x2,8m Ossos, orifício ocular e fotografia (60x90cm Pimento mineral em papel algodão 300g/m2 Tiragem 1/5)
A terra vermelha, ou terra rossa/terra roxa já foi um derrame vulcânico na separação de grandes continentes, muito antes do sinal de qualquer hominídeo caminhar por esse planeta. Foi a partir de sua fertilidade que as plantações de cana e de café prosperaram, a partir de sua rica floresta usada como lenha nos engenhos e como escora para a taipa de pilão, que com a argila formaram os assentamentos de cidades ricas o suficiente para pavimenta-la e esconde-la de vista.
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ORGANICIDADE FUNCIONAL Instação, 1x2,5m Vidro, terra com aglutinante, objetos diversos e celular (vídeo em loop ‘Micro-explosão” Tiragem 1/5)
ESTRUTURAS EMERGENTES 1x1m Carreteis e objetos industriais, cupinzeiros, corais martítimos e tablet (Vídeo ‘Death, when you talk to me’ Part. Camillat. Tiragem 1/5)

É sobre sua fundação que a distopia colonial cria uma identidade de negação, deixando-a disponível aos interesses do agronegócio e das empreiteiras. Para o filósofo sul-africano Archie Mafeje, os grandes conflitos onde hoje conhecemos por África, surgiram com o pensamento de que a terra pertence a alguém, enquanto anteriormente certos grupos de pessoas pertenciam a determinadas terras. A inversão entre homens que são da terra para terras que são de um homem, também nos é cara para pensar sobre o pé vermelho. A terra atravessa continentes, fronteiras e divisas entre estados, os limites entre público e privado, dentro e fora, ela é irreverente a qualquer ordem, pois se contagia com as características de cada lugar e acaba por contagiar um ao outro. É um sutil movimento constante e às vezes, bruto terremoto. Ela quem germina, ela quem decompõe – com ela tentam nos soterrar, mas é nela que podemos cultivar alguma coisa. Se decantarmos em água, ela se separa em três fases: a areia, de onde fazemos vidro, a argila de onde extraímos o pigmento para tinta e o silte, uma camada transitória que é a maior parte da massa para construções com barro. As paredes brancas das casas de fazenda, logo ficam com um rodapé de pigmento vermelho soprado pelo vento que é coberto pelos moradores por cal branca. Ironicamente, mesmo cobertas por branco, o seu interior continua sendo de barro. Se decantarmos em água, ela se separa em três fases: a areia, de onde fazemos vidro, a argila de onde extraímos o pigmento para tinta e o silte, uma camada transitória que é a maior parte da massa para construções com barro. As paredes brancas das casas de fazenda, logo ficam com um rodapé de pigmento vermelho soprado pelo vento que é coberto pelos moradores por cal branca. Ironicamente, mesmo cobertas por branco, o seu interior continua sendo de barro. A parede se torna então uma fronteira permeável exemplar, em que ora o branco se impõe sobre o vermelho e ora a terra toma de volta. De alguma forma, esse conflito entre vermelho e branco parece dar uma luz, um foco de atenção um ao outro, gerando uma situação nova, especifica e poética. Apesar de não conseguimos vê-la, por baixo do piso a terra atravessa tudo. Muito antes que se fizessem casas, já estavam a vista no chão batido das ocas, nas panelas de comida e jarros de água dos indígenas, vermelhos dos pés à cabeça. A interferência da terra em nossa vida, não é menor que a nossa sobre ela. Quando andamos sobre ela, desconhecemos boa parte do que acontece no subterrâneo, as vidas e fenômenos que ali estão relacionados - incerteza escura como uma torra de carvão. Se pegarmos uma enxada e cavarmos, encontramos um acontecimento provocado por nossa ação, o que ali havia antes permanece em mistério pois não conhecemos a terra fora de nossa interferência. Está entrelaçada por vários lados em nossa subjetividade. Varia entre todos esses territórios o ser pertencente à terra rossa, o dito ‘pé vermelho’. Quem é ele, afinal? Se ele é todo mundo, logo ele não é ninguém. Mas isso, só se pensarmos no pé vermelho como uma identidade, o que ele não é. Pé vermelho é um agenciamento múltiplo que agrega a diferença, ainda que alguém o negue, ele compreende a própria variação. Pé vermelho só se torna uma identidade quando como qualquer devir minoritário, se torna símbolo de resistência a uma opressão. Mesmo assim, identidades são frágeis, suscetíveis, pois como nos adverte o poeta Wole Soyinka, ‘não importa a cor dos pés quando se calça o coturno opressor’.
Mathias Reis, 11 de dezembro de 2018.
Mathias Reis, 11 de dezembro de 2018.